O tempo é um eterno fugitivo, por isso, a vida deve ser intensa e a intensidade de viver advém de valores benéficos a sua continuidade, pois o dia seguinte está por amadurecer e deverá ser vivido com a mesma intensidade de hoje. Tempus Fugit, Carpe Diem.

quinta-feira, 14 de maio de 2015

A Desconstrução do Racionalismo Kantiano

Talvez seja indagável ou, mesmo, inimaginável a motivação que leva o autor a abordar uma tarefa, aparentemente abantesma no meio acadêmico atual e, em especial, na Área do Direito. Contudo, não é objetivo chegar à tamanha apologia da filosofia clássica que possa desestruturar qualquer kantiano convicto. Não resta, ainda, a menor intenção de colocar no mesmo cesto os racionalistas positivistas das classes produtivas com os representantes das classes ociosas, estes, de duvidosa convicção ideológica. Basta devolver ao racionalismo a dúvida de sua validade como ciência e filosofia para facilitar o enxergar das manipulações positivistas que fazem do Direito uma propriedade privada, uma ciência zabaneira que se presta a locupletação de pecúnia, de poder e de prestígio as classes ociosas deste país.  

Postos os devidos esclarecimentos, inicia-se o diálogo com o filósofo Olavo de Carvalho que para um curso de filosofia produziu uma apostila intitulado: Tratado de Metafísica Dogmática, Rio, Seminário de Filosofia (1996).

Se o primado da dúvida metódica é apenas o primado de um equívoco verbal, então fica sob suspeita, igualmente, o primado kantiano do problema crítico. Pois, se o conhecimento humano deve prestar reverência preliminar ante a consciência de seus limites, por que não deveria também submeter-se à exigência de uma justificação preliminar a pretensão de conhecer esses limites?

A motivação imediata que levou Kant a investigar os limites do conhecimento humano foi o estado de profunda irritação em que o deixaram os relatos de Emmanuel Swedenborg sobre visões do céu e do inferno. Os únicos trechos da obra kantiana onde sentimos que a habitual frieza analítica do autor cede lugar a um tom de sarcasmo e de polêmica apaixonada, são aqueles em que Kant procura rebaixar os depoimentos do místico sueco a alucinações de uma mentalidade doente. O escrito Sonhos de um visionário marca justamente a passagem da fase pré-crítica à maturidade do pensamento kantiano. É manifesto que a filosofia crítica tem menos o objetivo de dar um fundamento ao conhecimento científico do que simplesmente de explicitar os fundamentos dados por pressupostos, ao mesmo tempo que nega qualquer fundamento científico aos conhecimentos de ordem mística e metafísica, reduzindo portanto a religião a um conjunto de mandamentos morais sem qualquer respaldo cognitivo.

Mas o curioso é que o filósofo crítico, tão cioso de não se deixar enganar por pressupostos dogmáticos, dá por pressuposta não somente a validade da ciência física, como também a aptidão da razão para conhecer seus próprios limites. Para além do campo dos juízos a priori e da experiência sensível, estende-se apenas, segundo ele, o domínio do incognoscível: pensável, admite Kant, mas incognoscível. No entanto, como se poderia determinar os limites do cognoscível sem algo conhecer do suposto incognoscível cuja borda externa coincide precisamente com esses limites? Se a razão conhece os limites do sensível e, ao mesmo tempo, estatui os seus próprios limites, como poderia ela determinar, igualmente, os limites do terceiro campo, especificamente diferente, que é o da experiência racionalizada, ou ciência, se, conforme diz o próprio Kant, é só a imaginação que conecta o racional e o sensível? Para ser coerente, Kant deveria ter dito que não há limites para a ciência, exceto os da imaginação. Pois, na medida em que opere balizada pela razão e pela experiência sensível, a imaginação, na perspectiva kantiana, não nos dará somente pensamento, mas conhecimento, de pleno direito. E, se é assim, por que rejeitar dogmaticamente a possibilidade de, partindo do sensível, escalar imaginariamente os graus do supra-sensível? Nada, no kantismo, prova que isto seja impossível ou sequer difícil[1].

 

Destaca Olavo de Carvalho (1996): os limites de uma determinada capacidade só podem ser de duas ordens, ou seja, ou são intrínsecos ou extrínsecos, sendo que os limites intrínsecos podem ser conhecidos por dedução a partir do seu conceito, ao que Kant denominou de conhecimento a priori e analítico. Contudo, Kant não admitia que nenhuma dedução, a priori, pudesse migrar imotivadamente para o domínio dos fatos, exigindo, para tal, a validação do fundamento experimental. “Logo, os limites intrínsecos do conhecimento humano, caso conhecidos, seriam puramente formais e não se aplicariam ao conhecimento de nenhum objeto real e determinado. Seriam, por assim dizer, limites vazios, hipotéticos, que na prática não limitariam nada”.[2] De outra sorte, os limites extrínsecos não poderiam ser, em nenhuma hipótese, necessários e incondicionais, mas acidentais e contingentes, pelo fato só poderem ser determinados indutivamente, a partir dos vários conhecimentos efetivos concernentes às várias espécies de objetos; e pelo fato mesmo de serem extrínsecos.[3]

Procurando determinar a priori os limites reais do conhecimento humano, o que é impossível segundo o próprio kantismo, ou provar por indução de fatos contingentes que esses limites são necessários e incondicionais, a proposta da filosofia crítica é, para dizer o mínimo, uma falácia em toda a linha.

O primeiro e o mais básico dos limites assinalados por Kant é que o campo da experiência está circunscrito pelas duas formas a priori da sensibilidade, o espaço e o tempo. Mas aquilo que está num lugar determinado está também, a fortiori, no infinito supra-espacial; e aquilo que ocorre num instante determinado acontece também, a fortiori, dentro da eternidade — duas necessidades a priori das mais óbvias que, por si, dariam por terra com os famosos limites que a filosofia crítica procurava estabelecer.[4]

 

Olavo de Carvalho possui uma imensa capacidade crítica analítica e, pacientemente, produziu inúmeros trabalhos de desconstrução dogmática em várias áreas do conhecimento humano. Abordou-se no capítulo Prolegômenos da Metafísica o campo de investigação da Teologia e a necessidade do respeito pela transcendência como um conhecimento existente, a priori, mas inexplorável racionalmente, porém, não reputado como inválido em nenhum momento. Olavo de Carvalho trabalha no texto abaixo a defesa do pensamento de Sto. Anselmo que, de forma resumida, o próprio Olavo transcreve: a existência de Deus é auto-evidente por mera análise, de vez que o Ser infinito e necessário não poderia ser privado da existência, sendo toda privação uma limitação, contraditória portanto com a infinitude, e a possibilidade mesma de uma limitação sendo uma contingência, contraditória com a necessidade.[5]

Mais que logicamente certo, o argumento ontológico é auto-evidente. Denomino auto-evidente o juízo que não pode ter uma contraditória unívoca, ou seja, cuja contraditória não é sequer formulável sem o vício redibitório da ambiguidade. Que eu saiba, esta característica dos juízos auto-evidentes não tinha sido ressaltada até agora. No caso, qual a contraditória do juízo "O ser necessário existe necessariamente"? É "O ser necessário inexiste necessariamente" ou "A existência do ser necessário não é necessária"? Impossível decidir. A contraditória do argumento de Sto. Anselmo é informulável. Rejeitar portanto esse argumento é abdicar do senso mesmo da unidade do discurso, é cair na linguagem dupla que terminará por nos levar aonde chegou Kant.

Porém a raiz de todas essas absurdidades está precisamente na fé dogmática que Kant, imitando Descartes, coloca no poder humano de duvidar. Pois como podemos, de fato, duvidar de nossa possibilidade de conhecer o absoluto? Se nada, radicalmente nada sabemos do absoluto, não podemos sequer formular nossa dúvida quanto à possibilidade de conhecê-lo. Daí a necessidade de ter um ponto de apoio no absoluto para formular a dúvida; mas como, ao mesmo tempo, Kant já tomou essa dúvida como um ponto de partida infalível e não pode abdicar dela de maneira alguma, só lhe resta procurar esse ponto de apoio nos limites mesmos do conhecimento, elevados assim a absolutos e incondicionados, por um giro lógico dos mais singulares. Assim, nada podemos saber do absoluto, exceto que ele está "para lá" dos limites do nosso conhecimento, limites estes que, não sendo determinados pelo absoluto (do qual nada sabemos) nem sendo realidades contingentes e revogáveis (de vez que são provados por mera análise, sendo por isto válidos a priori), passam eles mesmos a ser o próprio absoluto! Pois, se o pensamento nada pode deduzir a respeito do que está fora dele, como pode então conhecer os seus "limites", a não ser que estes sejam necessários a priori? Sendo necessários a priori, são incondicionais; mas são também totais, abarcando o conhecimento humano como um todo e não somente em algumas partes e aspectos: e o todo incondicional é evidentemente absoluto. Logo, a prova de que não podemos conhecer o absoluto sustenta-se no conhecimento que temos do absoluto, com o nome mudado para "limites do conhecimento". Se isto não fosse atentar iconoclasticamente contra um ídolo da modernidade, eu diria que o único comentário que merece essa tese da filosofia kantiana é que se trata de coisa pueril.

Do ponto de vista teológico, a entronização dos limites do conhecimento como o novo absoluto em lugar do velho Deus tem uma conseqüência das mais nítidas: o absoluto passa a ser definido como o não-humano, o humano como não-absoluto. Este abismo é, por sua vez, absoluto: Deus é tudo quanto está fora dos limites do humano, humano é tudo o que está fora e aquém do reino divino. Ou seja: a exclusão do humano do reino divino torna-se ela mesma um absoluto. Que Kant pretenda em seguida resgatar à força de razão prática e fé pietista a ligação entre homem e Deus, após ter demonstrado que ela é absolutamente impossível, só mostra que ele não tinha muita consciência do que fazia. Pois, se a exclusão do homem do reino divino é uma necessidade absoluta, nem mesmo a graça de um Deus onipotente poderia revogá-la.

Na verdade, não pode haver limites necessários ao conhecimento humano, sendo a condição humana definida precisamente pela contingência e pela liberdade. Todos os limites ao conhecimento humano têm de ser contingentes, e é precisamente isto o que possibilita, de um lado, as diferenças de capacidade cognitiva entre indivíduos e, de outro, o progresso do conhecimento. A tentativa de fundamentar a priori os limites do conhecimento humano é autocontraditória e absurda na base, reduzindo-se portanto a filosofia crítica a uma pretensão insensata, ao "sonho de um visionário", que imagina poder puxar-se pelos cabelos para fora da água como o Barão de Münchausen e contemplar de dentro os seus próprios limites externos, como aquelas escadas de Escher cujo topo emenda com o primeiro degrau.[6]

 

O Direito brasileiro vive um período de confusão doutrinal e um esvaziamento institucional nunca visto, mesmo nos tempos da ditadura militar. Por ocasião do centenário da Teoria Pura do Direito de Hans Kelsen, muitas foram as homenagens ao grande teórico, verdadeiro pai do método positivista do Direito no mundo. Negar a grandeza de Kelsen na história do Direito é impossível, seria o mesmo que negar a grandeza de Adam Smith ou de Karl Marx. Contudo, no dizer dos festivos Ministros do Supremo Tribunal Federal, encontra-se o sarcasmo erístico de quem lidera um exército de juristas bisonhos.

A autobiografia de Hans Kelsen, teórico que formatou a estrutura do controle de constitucionalidade concentrado hoje praticado não só no Brasil, mas em várias cortes constitucionais mundo afora, foi lançada na segunda-feira (15/8). O evento reuniu grandes personalidades do mundo jurídico brasileiro em uma suntuosa sala da Faculdade São Francisco. O ministro do Supremo Tribunal Federal Dias Tofolli foi o responsável pela introdução da obra. Também estavam presentes o ministro Ricardo Lewandowski, do STF, o desembargador Paulo Dimas, do Tribunal de Justiça de São Paulo, o advogado Pierpaolo Bottini, colunista da ConJur, os juízes Ricardo Nascimento e Ricardo Rezende, ex e atual presidentes da Ajufesp, o ministro aposentado do Superior Tribunal Militar Flávio Bierrenbach, presidente de honra da Associação de ex-alunos da São Francisco, e Antônio Magalhães Gomes Filho, diretor da Faculdade de Direito da USP.
A autobiografia foi lançada este ano em que se comemora o centenário da famosa teoria pura de Kelsen. Mais de 100 livros foram vendidos durante o evento. Para o vice-presidente da Ajufe na 3ª Região, Ricardo Nascimento, “o Direito brasileiro foi muito influenciado pela obra de Kelsen, e pouco se sabia do homem. Portanto, o livro veio num momento oportuno”.
Durante a sessão, um dos tradutores da autobiografia, Gabriel Nogueira Dias, comentou a morte de Kelsen em 1973 e o fato de seu patrimônio ter sido doado ao instituto que leva seu nome e já tem 40 anos de existência. Lembrou também da atuação do pensador na Carta das Nações Unidas e comentou que a autobiografia estava perdida nos Estados Unidos.
O presidente da Ajufesp, Ricardo Rezende, agradeceu a presença do professor e ex-ministro do Desenvolvimento Celso Lafer, e enalteceu que não havia lugar melhor para abrigar o evento, referindo-se à Faculdade São Francisco como “berço da cultura jurídica”.

Pergunta no ar

O ministro Ricardo Lewandowski contextualizou o papel de Kelsen no cenário jurídico brasileiro. Lembrou que, nos tempos da ditadura, houve um apego muito grande à obra do austríaco, interpretado como positivista. Comentou, ainda, que o país não possuía uma Constituição, e sim uma emenda. E que, durante esse tempo, o Código Civil tinha papel fundamental.
O ministro contou que nesse período surgiram juristas que entenderam que “era preciso abandonar o positivismo erroneamente relacionado à Kelsen” e como reação a esse neo-positivismo, houve uma liberalização da interpretação do Direito. Surgiu, então, o Direito alternativo, extremo oposto ao positivismo. Esse movimento culminou na Constituição da República, que segundo Lewandowski representou “a necessidade de promover mudanças”.
O ministro citou a tendência do STF à pró-atividade, haja visto que a corte brasileira começou a “desbordar das balizas do Direito posto”, sobretudo na decisão em relação à união homoafetiva. Lewandowski terminou seu discurso deixando uma pergunta no ar: "não seria o momento de uma releitura de Kelsen?"

De Kelsen a Renato Russo

O ministro Dias Tofolli, entusiasta da obra da qual foi responsável pelas páginas introdutórias, começou seu discurso lembrando, com afeto, seus tempos de São Francisco e de quando ainda era estudante. Tal lembrança acabou na leitura de um trecho “pitoresco” da autobiografia de Kelsen, justamente onde o austríaco se mostra um aluno de Direito entediado com as aulas e questionador da capacidade intelectual de seus professores. Para Tofolli, isso revela que Kelsen não era uma “figura hermética”, ao contrário do que a maioria pensa.
Tofolli comentou texto publicado pelo jornal Folha de S.Paulo sobre o pensador, que afirma que ler Kelsen é aprender sobre o Brasil. Para o ministro, o texto suscita a pergunta: qual o ditame que une o país? A resposta é a Constituição. Ele citou também o interesse do teórico por mitologia e a possibilidade da “Constituição ser a substituição do mito”.
O ministro fechou o discurso comentando que, em seus tempos de estudante, ouvia-se muito Legião Urbana nas arcadas da São Franscico, e uma das frases de Renato Russo, na visão do ministro, define bem o essência do filósofo. “Disciplina é liberdade”. Para Tofolli, por meio do método de Kelsen “podemos nos libertar das idiossincrasias, preconceitos e de nós mesmos”. [7]

 

Disciplina é liberdade (música Há Tempos – Legião Urbana): Transcrevemos o texto postado por Maurício Gieseler no sítio Blog Exame de Ordem.

 

Lembro-me que li uma vez uma matéria falando do Renato Russo, e nela havia um comentário dele sobre a impressão que aquela frase causou em algumas pessoas, que o criticaram exatamente por afirmar que disciplina era liberdade. O Renato Russo retrucou que era óbvio que ele se referia a autodisciplina, e não a uma ideia de uma disciplina em um país recém saído do período da ditadura militar.[8]

 

Pode-se agregar que o mesmo letrista e intérprete expressava anseios e dúvidas de um país em transição e que suas preocupações merecem ser citadas e analisadas pela posteridade, no âmbito dos estudos de Memória, Sociologia, Ciência Política e História Cultural. Ele escreveu Que País é esse? A música foi uma resposta à frase dita por Francelino Pereira, Presidente da Aliança Renovadora Nacional - Arena, o partido situacionista do regime militar brasileiro, proferida em critica à descrença do povo quanto ao retorno do Regime Democrático, em 1976.[9]

Nas favelas, no Senado

Sujeira pra todo lado

Ninguém respeita a Constituição

Mas todos acreditam no futuro da nação

Que país é esse?

No Amazonas, no Araguaia iá, iá,

Na Baixada Fluminense

Mato Grosso, Minas Gerais e no

Nordeste tudo em paz

Na morte o meu descanso, mas o

Sangue anda solto

Manchando os papéis e documentos fiéis

Ao descanso do patrão

Que país é esse?

Terceiro mundo, se foi

Piada no exterior

Mas o Brasil vai ficar rico

Vamos faturar um milhão

Quando vendermos todas as almas

Dos nossos índios num leilão

Que país é esse?[10]

(foram suprimidas algumas frases repetidas do refrão)

 

A linguagem corrosiva do autor espelhava o ambiente do final dos anos 70, quando um regime antigo estava a morrer, mas o novo ainda não tinha começado e precisava ser preparado, cabendo grande responsabilidade aos juristas. Nada supera a tentativa de mitificação da Constituição Federal. Não bastasse o ululante evento no berçário da cultura jurídica, em uma semana novo evento é realizado, desta vez, no próprio Supremo Tribunal Federal.

Organizada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Dias Toffoli, juntamente com seu assessor Otavio Luiz Rodrigues Junior, a obra “Autobiografia de Hans Kelsen” foi lançada hoje na Biblioteca Ministro Victor Nunes Leal, do STF, em Brasília. O livro, publicado pela Editora Forense, celebra o centenário da "Teoria Pura do Direito", de Kelsen, bastante conhecida no meio jurídico.

O presidente da Corte, ministro Cezar Peluso, abriu o evento ressaltando a importância de Hans Kelsen, que “influiu profundamente na história e no pensamento jurídico ocidental” com a obra que criou a Teoria Pura do Direito.[11]

 

Para ter-se um dado estatístico, ainda que precário e muito reduzido, vale o registro de parte do artigo: Constituição de 1988: longa, incompleta, boa e atual, por Robson Pereira (2011).

A Constituição dos Estados Unidos recebeu 27 emendas em 224 anos de existência, a última delas em 1992, quando ficou decidido que aumento de salários para congressistas só valem para a legislatura seguinte. A do Brasil foi promulgada em 1988 e já recebeu 67 emendas constitucionais – uma a cada quatro meses, em média, sem contar as seis emendas constitucionais de revisão. A primeira alteração na Constituição Brasileira foi feita em 1992 e seguiu o exemplo dos EUA para os salários de deputados estaduais e vereadores. A mais recente, a de 67, foi publicada em dezembro do ano passado e prorrogou, por tempo indeterminado, o prazo de vigência do Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza.

Mas a comparação entre as constituições do Brasil e dos Estados Unidos param por aí. Ou, pelo menos, não podem ser consideradas sob o ponto do tamanho ou das alterações no texto, uma vez que o próprio conceito de mudança não é absoluto. Não são raros os constitucionalistas brasileiros que defendem a tese de que a grande maioria das emendas tem origem na não-regulamentação de inúmeros dispositivos previstos no texto original e pouca correlação com a essência em si.

Um levantamento do próprio Congresso Nacional mostra que entre os 366 pontos sujeitos a regulamentação exatos 127 permanecem tal como foram incluídos no texto original em 1988. Por analogia, alegam alguns juristas, a Constituição seria “melhor” se todos os seus dispositivos tivessem sido regulamentados, o que praticamente triplicaria o número de emendas constitucionais, em um raciocínio puramente aritmético.

O constitucionalista Alexandre de Medeiros alia-se com aqueles que entendem que a Constituição do Brasil, ainda que não perfeita, é boa, atual “e não deve nada para as de outros países”. É boa, segundo ele, por ter permitido e contribuído para o fortalecimento de instituições como o Congresso, o Judiciário e o Ministério Público, o que garante uma maior efetividade dos direitos fundamentais. E atual, não porque tenha sido esse o objetivo dos constituintes nos 20 meses de trabalho consumidos até se chegar ao texto final, mas pelo fato de ser “genérica”, o que possibilita discussões sobre temas modernos, como pesquisas com células-tronco embrionárias e aborto de feto anencéfalo, entre outros.[12]

Olavo de Carvalho escreveu um parágrafo que encerra este subtema com a exata ideia que se desejava transmitir.

Mais ingênua, portanto, do que a confiança dogmática do racionalismo clássico no poder cognoscitivo da razão, mais visionária que a pretensão dos místicos a um conhecimento experimental de Deus, é a confiança no poder humano de por em dúvida aqueles princípios que fundam a possibilidade mesma da dúvida. Mais ingênuo que qualquer dogmatismo é o princípio mesmo da filosofia crítica, que pretende estatuir dedutivamente limites contingentes e indutivamente limites necessários. Mais ingênuos do que nossos antepassados, que acreditavam na revelação e na razão, somos nós, que acreditamos em Descartes e em Kant, supondo que a negatividade do seu ponto de partida seja prova de modéstia metodológica, quando ela oculta, na verdade, a mais sobre-humana das pretensões: a pretensão de estabelecer limites absolutos ao conhecimento humano. Pretensão superior à do próprio Deus, que não cercou de grades o fruto proibido, mas o deixou ao alcance da curiosidade de Eva.[13]




[1] Olavo de Carvalho. Kant e o Primado do Problema Crítico - Tratado de Metafísica Dogmática, Rio, Seminário de Filosofia, 1996 (apostila). http://www.olavodecarvalho.org/apostilas/kant.htm acessado em 10/10/2011
[2] Op. cit.
[3] Op. cit.
[4] Op. cit.
[5] Op. cit.
[6] Olavo de Carvalho. Kant e o Primado do Problema Crítico - Tratado de Metafísica Dogmática, Rio, Seminário de Filosofia, 1996 (apostila). http://www.olavodecarvalho.org/apostilas/kant.htm acessado em 10/10/2011
[7] Lançamento de obra sobre Kelsen reúne personalidades - Por Camila Ribeiro de Mendonça. Revista Consultor Jurídico, 16 de agosto de 2011. http://www.conjur.com.br/2011-ago-16/lancamento-autobiografia-kelsen-reune-personalidades-direito acessado em 17/08/2011.
[8] Blog Exame de Ordem – Maurício Gieseler
[9] O Brasil em frases (publicadas em VEJA e na imprensa em geral) http://veja.abril.com.br/especiais/veja_40anos/p_092.html acessado em 15/10/2011.
[11]Autobiografia do jurista Hans Kelsen é lançada no STF - Notícias STF - Quarta-feira, 24 de agosto de 2011. http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=187248&tip=UN acessado em 25 de agosto de 2011
[12] Constituição de 1988: longa, incompleta, boa e atual - Por Robson Pereira
[13] Olavo de Carvalho. Kant e o Primado do Problema Crítico - Tratado de Metafísica Dogmática, Rio, Seminário de Filosofia, 1996 (apostila). http://www.olavodecarvalho.org/apostilas/kant.htm acessado em 10/10/2011

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