Talvez seja
indagável ou, mesmo, inimaginável a motivação que leva o autor a abordar uma
tarefa, aparentemente abantesma no meio acadêmico atual e, em especial, na Área
do Direito. Contudo, não é objetivo chegar à tamanha apologia da filosofia
clássica que possa desestruturar qualquer kantiano convicto. Não resta, ainda,
a menor intenção de colocar no mesmo cesto os racionalistas positivistas das
classes produtivas com os representantes das classes ociosas, estes, de
duvidosa convicção ideológica. Basta devolver ao racionalismo a dúvida de sua
validade como ciência e filosofia para facilitar o enxergar das manipulações
positivistas que fazem do Direito uma propriedade privada, uma ciência
zabaneira que se presta a locupletação de pecúnia, de poder e de prestígio as
classes ociosas deste país.
Postos os
devidos esclarecimentos, inicia-se o diálogo com o filósofo Olavo de Carvalho
que para um curso de filosofia produziu uma apostila intitulado: Tratado de Metafísica
Dogmática, Rio, Seminário de Filosofia (1996).
Se o
primado da dúvida metódica é apenas o primado de um equívoco verbal, então fica
sob suspeita, igualmente, o primado kantiano do problema crítico. Pois, se o
conhecimento humano deve prestar reverência preliminar ante a consciência de
seus limites, por que não deveria também submeter-se à exigência de uma
justificação preliminar a pretensão de conhecer esses limites?
A
motivação imediata que levou Kant a investigar os limites do conhecimento
humano foi o estado de profunda irritação em que o deixaram os relatos de
Emmanuel Swedenborg sobre visões do céu e do inferno. Os únicos trechos da obra
kantiana onde sentimos que a habitual frieza analítica do autor cede lugar a um
tom de sarcasmo e de polêmica apaixonada, são aqueles em que Kant procura rebaixar
os depoimentos do místico sueco a alucinações de uma mentalidade doente. O
escrito Sonhos de um visionário marca
justamente a passagem da fase pré-crítica à maturidade do pensamento kantiano.
É manifesto que a filosofia crítica tem menos
o objetivo de dar um fundamento ao conhecimento científico do que
simplesmente de explicitar os fundamentos dados por pressupostos, ao mesmo
tempo que nega qualquer fundamento científico aos conhecimentos de ordem mística e metafísica, reduzindo portanto a religião a um conjunto de mandamentos morais sem qualquer respaldo cognitivo.
Mas o
curioso é que o filósofo crítico, tão cioso de não se deixar enganar por
pressupostos dogmáticos, dá por pressuposta não somente a validade da ciência
física, como também a aptidão da razão para conhecer seus próprios limites.
Para além do campo dos juízos a priori e da experiência sensível, estende-se
apenas, segundo ele, o domínio do incognoscível: pensável, admite Kant, mas
incognoscível. No entanto, como se
poderia determinar os limites do cognoscível sem algo conhecer do suposto
incognoscível cuja borda externa coincide precisamente com esses limites?
Se a razão conhece os limites do sensível e, ao mesmo tempo, estatui os seus
próprios limites, como poderia ela determinar, igualmente, os limites do
terceiro campo, especificamente diferente, que é o da experiência
racionalizada, ou ciência, se, conforme diz o próprio Kant, é só a imaginação que conecta o racional e o
sensível? Para ser coerente, Kant
deveria ter dito que não há limites para a ciência, exceto os da imaginação.
Pois, na medida em que opere balizada pela razão e pela experiência sensível, a
imaginação, na perspectiva kantiana, não nos dará somente pensamento, mas
conhecimento, de pleno direito. E, se é assim, por que rejeitar dogmaticamente
a possibilidade de, partindo do sensível, escalar imaginariamente os graus do
supra-sensível? Nada, no kantismo, prova
que isto seja impossível ou sequer difícil[1].
Destaca Olavo de Carvalho (1996): os limites de uma determinada capacidade
só podem ser de duas ordens, ou seja, ou são intrínsecos ou extrínsecos, sendo que
os limites intrínsecos podem ser conhecidos por dedução a partir do seu
conceito, ao que Kant denominou de conhecimento a priori e analítico. Contudo,
Kant não admitia que nenhuma dedução, a
priori, pudesse migrar imotivadamente para o domínio dos fatos, exigindo,
para tal, a validação do fundamento experimental. “Logo, os limites intrínsecos do conhecimento humano, caso conhecidos,
seriam puramente formais e não se aplicariam ao conhecimento de nenhum objeto
real e determinado. Seriam, por assim dizer, limites vazios, hipotéticos, que
na prática não limitariam nada”.[2] De outra sorte, os limites extrínsecos não poderiam ser, em nenhuma
hipótese, necessários e incondicionais, mas acidentais e contingentes, pelo fato só poderem ser determinados
indutivamente, a partir dos vários conhecimentos efetivos concernentes às
várias espécies de objetos; e pelo fato mesmo de serem extrínsecos.[3]
Procurando
determinar a priori os limites reais do conhecimento humano, o que é impossível
segundo o próprio kantismo, ou provar por indução de fatos contingentes que
esses limites são necessários e incondicionais, a proposta da filosofia crítica
é, para dizer o mínimo, uma falácia em toda a linha.
O
primeiro e o mais básico dos limites assinalados por Kant é que o campo da
experiência está circunscrito pelas duas formas a priori da sensibilidade, o
espaço e o tempo. Mas aquilo que está num lugar determinado está também, a fortiori, no infinito supra-espacial;
e aquilo que ocorre num instante determinado acontece também, a fortiori, dentro da eternidade — duas
necessidades a priori das mais óbvias que, por si, dariam por terra com os
famosos limites que a filosofia crítica procurava estabelecer.[4]
Olavo de Carvalho possui uma imensa capacidade crítica analítica e,
pacientemente, produziu inúmeros trabalhos de desconstrução dogmática em várias
áreas do conhecimento humano. Abordou-se no capítulo Prolegômenos da Metafísica o campo de investigação da Teologia e a
necessidade do respeito pela transcendência como um conhecimento existente, a priori, mas inexplorável
racionalmente, porém, não reputado como inválido em nenhum momento. Olavo de
Carvalho trabalha no texto abaixo a defesa do pensamento de Sto. Anselmo que,
de forma resumida, o próprio Olavo transcreve: a existência de Deus é auto-evidente por mera análise, de vez que o Ser
infinito e necessário não poderia ser privado da existência, sendo toda
privação uma limitação, contraditória portanto com a infinitude, e a
possibilidade mesma de uma limitação sendo uma contingência, contraditória com
a necessidade.[5]
Mais que
logicamente certo, o argumento ontológico é auto-evidente. Denomino
auto-evidente o juízo que não pode ter uma contraditória unívoca, ou seja, cuja
contraditória não é sequer formulável sem o vício redibitório da ambiguidade.
Que eu saiba, esta característica dos juízos auto-evidentes não tinha sido
ressaltada até agora. No caso, qual a contraditória do juízo "O ser
necessário existe necessariamente"? É "O ser necessário inexiste
necessariamente" ou "A existência do ser necessário não é
necessária"? Impossível decidir. A contraditória do argumento de Sto.
Anselmo é informulável. Rejeitar portanto esse argumento é abdicar do senso
mesmo da unidade do discurso, é cair na linguagem dupla que terminará por nos
levar aonde chegou Kant.
Porém a
raiz de todas essas absurdidades está precisamente na fé dogmática que Kant,
imitando Descartes, coloca no poder humano de duvidar. Pois como podemos, de
fato, duvidar de nossa possibilidade de conhecer o absoluto? Se nada,
radicalmente nada sabemos do absoluto, não podemos sequer formular nossa dúvida
quanto à possibilidade de conhecê-lo. Daí a necessidade de ter um ponto de
apoio no absoluto para formular a dúvida; mas como, ao mesmo tempo, Kant já
tomou essa dúvida como um ponto de partida infalível e não pode abdicar dela de
maneira alguma, só lhe resta procurar esse ponto de apoio nos limites mesmos do
conhecimento, elevados assim a absolutos e incondicionados, por um giro lógico
dos mais singulares. Assim, nada podemos saber do absoluto, exceto que ele está
"para lá" dos limites do nosso conhecimento, limites estes que, não
sendo determinados pelo absoluto (do qual nada sabemos) nem sendo realidades contingentes
e revogáveis (de vez que são provados por mera análise, sendo por isto válidos
a priori), passam eles mesmos a ser o próprio absoluto! Pois, se o pensamento
nada pode deduzir a respeito do que está fora dele, como pode então conhecer os
seus "limites", a não ser que estes sejam necessários a priori? Sendo
necessários a priori, são incondicionais; mas são também totais, abarcando o
conhecimento humano como um todo e não somente em algumas partes e aspectos: e
o todo incondicional é evidentemente absoluto. Logo, a prova de que não podemos
conhecer o absoluto sustenta-se no conhecimento que temos do absoluto, com o
nome mudado para "limites do conhecimento". Se isto não fosse atentar
iconoclasticamente contra um ídolo da modernidade, eu diria que o único
comentário que merece essa tese da filosofia kantiana é que se trata de coisa
pueril.
Do ponto
de vista teológico, a entronização dos limites do conhecimento como o novo
absoluto em lugar do velho Deus tem uma conseqüência das mais nítidas: o
absoluto passa a ser definido como o não-humano, o humano como não-absoluto.
Este abismo é, por sua vez, absoluto: Deus é tudo quanto está fora dos limites
do humano, humano é tudo o que está fora e aquém do reino divino. Ou seja: a
exclusão do humano do reino divino torna-se ela mesma um absoluto. Que Kant
pretenda em seguida resgatar à força de razão prática e fé pietista a ligação
entre homem e Deus, após ter demonstrado que ela é absolutamente impossível, só
mostra que ele não tinha muita consciência do que fazia. Pois, se a exclusão do
homem do reino divino é uma necessidade absoluta, nem mesmo a graça de um Deus
onipotente poderia revogá-la.
Na
verdade, não pode haver limites necessários ao conhecimento humano, sendo a
condição humana definida precisamente pela contingência e pela liberdade. Todos
os limites ao conhecimento humano têm de ser contingentes, e é precisamente
isto o que possibilita, de um lado, as diferenças de capacidade cognitiva entre
indivíduos e, de outro, o progresso do conhecimento. A tentativa de fundamentar
a priori os limites do conhecimento humano é autocontraditória e absurda na
base, reduzindo-se portanto a filosofia crítica a uma pretensão insensata, ao
"sonho de um visionário", que imagina poder puxar-se pelos cabelos
para fora da água como o Barão de Münchausen e contemplar de dentro os seus
próprios limites externos, como aquelas escadas de Escher cujo topo emenda com
o primeiro degrau.[6]
O Direito
brasileiro vive um período de confusão doutrinal e um esvaziamento
institucional nunca visto, mesmo nos tempos da ditadura militar. Por ocasião do
centenário da Teoria Pura do Direito de Hans Kelsen, muitas foram as homenagens ao grande teórico, verdadeiro pai
do método positivista do Direito no mundo. Negar a grandeza de Kelsen na
história do Direito é impossível, seria o mesmo que negar a grandeza de Adam
Smith ou de Karl Marx. Contudo, no dizer dos festivos Ministros do Supremo
Tribunal Federal, encontra-se o sarcasmo erístico de quem lidera um exército de
juristas bisonhos.
A autobiografia de Hans Kelsen, teórico que
formatou a estrutura do controle de constitucionalidade concentrado hoje
praticado não só no Brasil, mas em várias cortes constitucionais mundo afora,
foi lançada na segunda-feira (15/8). O evento reuniu grandes personalidades do
mundo jurídico brasileiro em uma suntuosa sala da Faculdade São Francisco. O
ministro do Supremo Tribunal Federal Dias Tofolli foi o responsável pela
introdução da obra. Também estavam presentes o ministro Ricardo Lewandowski, do
STF, o desembargador Paulo Dimas, do Tribunal de Justiça de São Paulo, o
advogado Pierpaolo Bottini, colunista da ConJur, os juízes Ricardo
Nascimento e Ricardo Rezende, ex e atual presidentes da Ajufesp, o ministro
aposentado do Superior Tribunal Militar Flávio Bierrenbach, presidente de honra
da Associação de ex-alunos da São Francisco, e Antônio Magalhães Gomes Filho,
diretor da Faculdade de Direito da USP.
A autobiografia foi lançada este ano em que se
comemora o centenário da famosa teoria pura de Kelsen. Mais de 100 livros foram
vendidos durante o evento. Para o vice-presidente da Ajufe na 3ª Região,
Ricardo Nascimento, “o Direito brasileiro foi muito influenciado pela obra de
Kelsen, e pouco se sabia do homem. Portanto, o livro veio num momento
oportuno”.
Durante a sessão, um dos tradutores da
autobiografia, Gabriel Nogueira Dias, comentou a morte de Kelsen em 1973 e o
fato de seu patrimônio ter sido doado ao instituto que leva seu nome e já tem
40 anos de existência. Lembrou também da atuação do pensador na Carta das Nações
Unidas e comentou que a autobiografia estava perdida nos Estados Unidos.
O presidente da Ajufesp, Ricardo Rezende, agradeceu
a presença do professor e ex-ministro do Desenvolvimento Celso Lafer, e
enalteceu que não havia lugar melhor para abrigar o evento, referindo-se à
Faculdade São Francisco como “berço da cultura jurídica”.
Pergunta no ar
O ministro Ricardo Lewandowski contextualizou o
papel de Kelsen no cenário jurídico brasileiro. Lembrou que, nos tempos da
ditadura, houve um apego muito grande à obra do austríaco, interpretado como
positivista. Comentou, ainda, que o país não possuía uma Constituição, e sim
uma emenda. E que, durante esse tempo, o Código Civil tinha papel
fundamental.
O ministro contou que nesse período surgiram
juristas que entenderam que “era preciso abandonar o positivismo erroneamente
relacionado à Kelsen” e como reação a esse neo-positivismo, houve uma
liberalização da interpretação do Direito. Surgiu, então, o Direito
alternativo, extremo oposto ao positivismo. Esse movimento culminou na
Constituição da República, que segundo Lewandowski representou “a necessidade
de promover mudanças”.
O ministro citou a tendência do STF à
pró-atividade, haja visto que a corte brasileira começou a “desbordar das
balizas do Direito posto”, sobretudo na decisão em relação à união homoafetiva.
Lewandowski terminou seu discurso deixando uma pergunta no ar: "não seria
o momento de uma releitura de Kelsen?"
De Kelsen a Renato Russo
O ministro Dias Tofolli, entusiasta da obra da qual
foi responsável pelas páginas introdutórias, começou seu discurso lembrando,
com afeto, seus tempos de São Francisco e de quando ainda era estudante. Tal
lembrança acabou na leitura de um trecho “pitoresco” da autobiografia de
Kelsen, justamente onde o austríaco se mostra um aluno de Direito entediado com
as aulas e questionador da capacidade intelectual de seus professores. Para
Tofolli, isso revela que Kelsen não era uma “figura hermética”, ao contrário do
que a maioria pensa.
Tofolli comentou texto publicado pelo jornal Folha
de S.Paulo sobre o pensador, que afirma que ler Kelsen é aprender sobre o
Brasil. Para o ministro, o texto suscita a pergunta: qual o ditame que une o
país? A resposta é a Constituição. Ele citou também o interesse do teórico por
mitologia e a possibilidade da “Constituição ser a substituição do mito”.
O ministro fechou o discurso comentando que, em
seus tempos de estudante, ouvia-se muito Legião Urbana nas arcadas da São
Franscico, e uma das frases de Renato Russo, na visão do ministro, define bem o
essência do filósofo. “Disciplina é liberdade”. Para Tofolli, por meio do
método de Kelsen “podemos nos libertar das idiossincrasias, preconceitos e de
nós mesmos”. [7]
Disciplina é
liberdade (música Há Tempos – Legião
Urbana): Transcrevemos o texto postado por Maurício Gieseler no sítio Blog Exame
de Ordem.
|
Lembro-me que
li uma vez uma matéria falando do Renato Russo, e nela havia um comentário
dele sobre a impressão que aquela frase causou em algumas pessoas, que o
criticaram exatamente por afirmar que disciplina era liberdade. O Renato
Russo retrucou que era óbvio que ele se referia a autodisciplina, e não a uma
ideia de uma disciplina em um país recém saído do período da ditadura
militar.[8]
|
Pode-se agregar
que o mesmo letrista e intérprete expressava anseios e dúvidas de um país em
transição e que suas preocupações merecem ser citadas e analisadas pela
posteridade, no âmbito dos estudos de Memória, Sociologia, Ciência Política e
História Cultural. Ele escreveu Que País é esse? A música foi
uma resposta à frase dita por Francelino Pereira, Presidente da Aliança Renovadora Nacional - Arena, o
partido situacionista do regime militar brasileiro, proferida em critica à
descrença do povo quanto ao retorno do Regime Democrático, em 1976.[9]
Nas favelas, no Senado
Sujeira pra todo lado
Ninguém respeita a Constituição
Mas todos acreditam no futuro da
nação
Que país é esse?
No Amazonas, no Araguaia iá, iá,
Na Baixada Fluminense
Mato Grosso, Minas Gerais e no
Nordeste tudo em paz
Na morte o meu descanso, mas o
Sangue anda solto
Manchando os papéis e documentos
fiéis
Ao descanso do patrão
Que país é esse?
Terceiro mundo, se foi
Piada no exterior
Mas o Brasil vai ficar rico
Vamos faturar um milhão
Quando vendermos todas as almas
Dos nossos índios num leilão
Que país é esse?[10]
(foram suprimidas algumas frases
repetidas do refrão)
A linguagem
corrosiva do autor espelhava o ambiente do final dos anos 70, quando um regime
antigo estava a morrer, mas o novo ainda não tinha começado e precisava ser
preparado, cabendo grande responsabilidade aos juristas. Nada supera a tentativa
de mitificação da Constituição Federal. Não bastasse o ululante evento no
berçário da cultura jurídica, em uma semana novo evento é realizado, desta vez,
no próprio Supremo Tribunal Federal.
Organizada
pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Dias Toffoli, juntamente
com seu assessor Otavio Luiz Rodrigues Junior, a obra “Autobiografia de
Hans Kelsen” foi lançada hoje na Biblioteca Ministro Victor Nunes
Leal, do STF, em Brasília. O livro, publicado pela Editora
Forense, celebra o centenário da "Teoria Pura do
Direito", de Kelsen, bastante conhecida no meio jurídico.
O
presidente da Corte, ministro Cezar Peluso, abriu o evento
ressaltando a importância de Hans Kelsen, que “influiu profundamente
na história e no pensamento jurídico ocidental” com a obra que criou a
Teoria Pura do Direito.[11]
Para ter-se um
dado estatístico, ainda que precário e muito reduzido, vale o registro de parte
do artigo: Constituição de 1988: longa, incompleta, boa e atual, por Robson Pereira (2011).
A
Constituição dos Estados Unidos recebeu 27 emendas em 224 anos de existência, a
última delas em 1992, quando ficou decidido que aumento de salários para
congressistas só valem para a legislatura seguinte. A do Brasil foi promulgada
em 1988 e já recebeu 67 emendas constitucionais – uma a cada quatro meses, em
média, sem contar as seis emendas constitucionais de revisão. A primeira
alteração na Constituição Brasileira foi feita em 1992 e seguiu o exemplo dos
EUA para os salários de deputados estaduais e vereadores. A mais recente, a de
67, foi publicada em dezembro do ano passado e prorrogou, por tempo
indeterminado, o prazo de vigência do Fundo de Combate e Erradicação da
Pobreza.
Mas a
comparação entre as constituições do Brasil e dos Estados Unidos param por aí.
Ou, pelo menos, não podem ser consideradas sob o ponto do tamanho ou das
alterações no texto, uma vez que o próprio conceito de mudança não é absoluto.
Não são raros os constitucionalistas brasileiros que defendem a tese de que a
grande maioria das emendas tem origem na não-regulamentação de inúmeros
dispositivos previstos no texto original e pouca correlação com a essência em
si.
Um
levantamento do próprio Congresso Nacional mostra que entre os 366 pontos
sujeitos a regulamentação exatos 127 permanecem tal como foram incluídos no
texto original em 1988. Por analogia, alegam alguns juristas, a Constituição
seria “melhor” se todos os seus dispositivos tivessem sido regulamentados, o
que praticamente triplicaria o número de emendas constitucionais, em um
raciocínio puramente aritmético.
O constitucionalista Alexandre de Medeiros alia-se com aqueles que
entendem que a Constituição do Brasil, ainda que não perfeita, é boa, atual “e
não deve nada para as de outros países”. É boa, segundo ele, por ter permitido
e contribuído para o fortalecimento de instituições como o Congresso, o
Judiciário e o Ministério Público, o que garante uma maior efetividade dos
direitos fundamentais. E atual, não porque tenha sido esse o objetivo dos constituintes
nos 20 meses de trabalho consumidos até se chegar ao texto final, mas pelo fato
de ser “genérica”, o que possibilita discussões sobre temas modernos, como
pesquisas com células-tronco embrionárias e aborto de feto anencéfalo, entre
outros.[12]
Olavo de
Carvalho escreveu um parágrafo que encerra este subtema com a exata ideia que se
desejava transmitir.
Mais ingênua, portanto, do que a
confiança dogmática do racionalismo clássico no poder cognoscitivo da razão,
mais visionária que a pretensão dos místicos a um conhecimento experimental de
Deus, é a confiança no poder humano de por em dúvida aqueles princípios que
fundam a possibilidade mesma da dúvida. Mais ingênuo que qualquer dogmatismo é
o princípio mesmo da filosofia crítica, que pretende estatuir dedutivamente
limites contingentes e indutivamente limites necessários. Mais ingênuos do que
nossos antepassados, que acreditavam na revelação e na razão, somos nós, que
acreditamos em Descartes e em Kant, supondo que a negatividade do seu ponto de
partida seja prova de modéstia metodológica, quando ela oculta, na verdade, a
mais sobre-humana das pretensões: a pretensão de estabelecer limites absolutos
ao conhecimento humano. Pretensão superior à do próprio Deus, que não cercou de
grades o fruto proibido, mas o deixou ao alcance da curiosidade de Eva.[13]
[1] Olavo de Carvalho. Kant
e o Primado do Problema Crítico - Tratado de Metafísica Dogmática, Rio,
Seminário de Filosofia, 1996 (apostila). http://www.olavodecarvalho.org/apostilas/kant.htm
acessado em 10/10/2011
[6] Olavo de Carvalho. Kant e
o Primado do Problema Crítico - Tratado de Metafísica Dogmática, Rio, Seminário
de Filosofia, 1996 (apostila). http://www.olavodecarvalho.org/apostilas/kant.htm
acessado em 10/10/2011
[7] Lançamento de obra sobre Kelsen reúne personalidades
- Por Camila Ribeiro de Mendonça. Revista Consultor
Jurídico, 16 de agosto de 2011. http://www.conjur.com.br/2011-ago-16/lancamento-autobiografia-kelsen-reune-personalidades-direito
acessado em 17/08/2011.
http://www.portalexamedeordem.com.br/blog/2011/04/disciplina-e-liberdade-2/ acessado
em 15/10/2011
[9] O Brasil em frases (publicadas
em VEJA e na imprensa em geral)
http://veja.abril.com.br/especiais/veja_40anos/p_092.html acessado em 15/10/2011.
[11]Autobiografia do jurista Hans Kelsen é lançada no
STF - Notícias STF - Quarta-feira, 24 de agosto de 2011. http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=187248&tip=UN acessado
em 25 de agosto de 2011
http://www.conjur.com.br/2011-abr-11/constituicao-federal-1988-longa-incompleta-porem-boa-atual acessado em 15/04/2011.
[13] Olavo de Carvalho. Kant
e o Primado do Problema Crítico - Tratado de Metafísica Dogmática, Rio,
Seminário de Filosofia, 1996 (apostila). http://www.olavodecarvalho.org/apostilas/kant.htm acessado em 10/10/2011
Nenhum comentário:
Postar um comentário