Foi o próprio Nelson Rodrigues que se autodefiniu como um
menino que enxerga a vida pelo buraco da fechadura da porta. Nelson Rodrigues
foi de uma originalidade incontestável em razão de seu peculiar estilo
literário, contudo, os fatos narrados, nascem de sua sagaz observação do
comportamento social fora dos olhares do público, longe do ambiente formal,
razão pela qual ele ilustra sua percepção com o “olhar pelo buraco da
fechadura”.
O que me fez lembrar a figura de Nelson Rodrigues foi uma
notícia na primeira página do jornal digital Correio do Brasil de ontem, 05 de
abril de 2013, onde estava estampada a chamada: “Jornalista agredido na sede do
MTE (Ministério do Trabalho e Emprego) denuncia falta de respeito com
trabalhador”. A notícia, que preciso reproduzi-la “in verbis”, é a seguinte:
[...] “Ao
servidor do Ministério do Trabalho Sérgio
Rodrigues, encarregado de recepcionar as pessoas e lhes dirigir ao setor
correto para serem atendidas, coube apenas ouvir as lamentações e, ao tentar
explicar o que estava ocorrendo no local, conseguiu apenas deixar o público
ainda mais irritado.
– Tenho
que reconhecer que há uma falta de organização do serviço. Passam por aqui, por
dia, mais de 200 pessoas, mas o sistema
da Caixa Econômica Federal está com problemas há mais de um mês. Um simples
documento que o trabalhador precisa retirar, na agência que fica aqui no
térreo, demora horas. Além disso, falta
pessoal para atender ao público. Muita
gente pediu demissão, saiu devido
aos baixos salários e foi buscar emprego onde ganha um pouco mais. Sem
contar o pessoal que saiu de férias,
sem que alguém substituísse as posições em aberto – afirmou.
A
explicação do responsável pelo setor, Ricardo Leite, para a falta de
atendimento ao público não foi muito mais longe.
– Dependemos da Caixa para liberar os
documentos e, devido à série de
problemas na área de informática, acaba atrasando também o serviço da gente
aqui – repetiu.
Enquanto o
repórter ouvia ao público e aos funcionários do MTE, no entanto, foi abordado pelo agente de segurança
do Tribunal Regional do Trabalho Jorge
Nelson que, visivelmente alterado, tentou impedir que a reportagem do
Correio do Brasil fosse adiante. Interpelado
com grosseria e instado a deixar o local, imediatamente, o jornalista recusou-se a abandonar a
matéria em curso, no que recebeu o apoio das mais de 40 pessoas que já se
aglomeravam no local, após ouvir do
policial que o repórter era “um
agitador subversivo”. Diante da recusa de Gilberto de Souza, Nelson desferiu um violento soco na direção
do repórter, atingindo-o na altura
do pescoço e quebrando-lhe os óculos que estavam afixados na camisa.
– Não
revidei de imediato porque, em uma fração de segundos, percebi que, se
devolvesse a agressão a um agente federal, uniformizado, poderia receber voz de
prisão ali mesmo e, assim, o agressor teria conseguido o seu intento, que era o
de impedir que continuasse com a reportagem. Em vez de me envolver na briga, fiz melhor: liguei para o telefone da Polícia Militar, o 190, e relatei ao
atendente que acabara de ser agredido por um segurança do Tribunal Regional do
Trabalho – relata o editor-chefe do CdB.
A atitude do jornalista irritou ainda mais o
agressor, que precisou ser contido
por outros seguranças presentes na confusão. Em cerca de 10 minutos, no
entanto, o sargento PM Moreno compareceu
ao local e, após ouvir os relatos de ambas as partes, encaminhou o caso à
Delegacia da Polícia Federal, na Praça Mauá, por se tratar de uma agressão
cometida por um agente federal. Uma vez na sede da PF, o delegado Flávio Assis
Gomes Furtado abriu o Registro de Ocorrência de número 576/2013, para que as
testemunhas do fato possam falar em um processo contra o agressor, que poderá
ser punido até com a demissão do cargo que ocupa no TRT, multa e prisão
administrativa.” [...].
A notícia, se formatada em estilo de literatura dramática,
caberia de maneira ululante no acervo literário de Nelson. Pessoas do povo
chegando ao Ministério do Trabalho e Emprego na madrugada e esperando o dia
inteiro para serem atendidas; um repórter investigativo protagonizando a
dramaturgia adentra o MTE e mobiliza os do povo a pensar; Sérgio Rodrigues,
ator coadjuvante, tenta explicar que nada está funcionando e que os
funcionários do MTE pediram demissão por ganharem salários aviltantes; o
sistema da Caixa Econômica não funciona...; quando então, surge Jorge Nelson, o
vilão, que aplica violento soco no reporte, defenestrando seus óculos apensos
ao bolso de sua camisa. Dando uma prova de civilidade, o reporte utiliza o
telefone, que felizmente funcionou, ligando para a Polícia Militar. Na
sequência, o Sargento Moreno ouve as partes (sensacional!) e decide encaminhar
o caso à Delegacia da Polícia Federal (uma aula de jurisdição).
Essa estapafúrdia história acontece diariamente em cidades
brasileiras. Só não chegam às mídias por falta de repórteres investigativos denunciando
e estimulando o povo a pensar sobre o que o Estado está fazendo com os cidadãos
brasileiros. Jorge Nelson e Moreno são símbolos dos profissionais da área de
segurança que tanta insegurança transmitem ao povo, para não usar a expressão
medo. E a qualidade do serviço público no país que mais cobra tributos e aplica
multas é inversamente proporcional aos valores arrecadados, podendo ser
considerados como infração constitucional e penal, pois atingem o princípio da
dignidade humana e funcionam como tribunais de exceção na medida em que
sentenciam o cidadão a não usufruir direitos assegurados em Leis, os quais, em
muitos casos, são direitos deveres, ou seja, uma obrigação criada por uma Lei.
Não
consegui pensar em outro título para este texto se não “O Samba do Crioulo Doido”
de Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto). É uma doideira que poderia virar
samba, então optei pelo plágio, ainda que mudando as palavras, mas poderia
criar outro título, quem sabe: “O Samba do País dos Tolos”, ou ainda, “A
Demência do Povo no Estado do Samba”.