O tempo é um eterno fugitivo, por isso, a vida deve ser intensa e a intensidade de viver advém de valores benéficos a sua continuidade, pois o dia seguinte está por amadurecer e deverá ser vivido com a mesma intensidade de hoje. Tempus Fugit, Carpe Diem.

sábado, 6 de abril de 2013

O SAMBA DO AFRODESCENDENTE COM PERTURBAÇÕES PSÍQUICAS


Foi o próprio Nelson Rodrigues que se autodefiniu como um menino que enxerga a vida pelo buraco da fechadura da porta. Nelson Rodrigues foi de uma originalidade incontestável em razão de seu peculiar estilo literário, contudo, os fatos narrados, nascem de sua sagaz observação do comportamento social fora dos olhares do público, longe do ambiente formal, razão pela qual ele ilustra sua percepção com o “olhar pelo buraco da fechadura”.

O que me fez lembrar a figura de Nelson Rodrigues foi uma notícia na primeira página do jornal digital Correio do Brasil de ontem, 05 de abril de 2013, onde estava estampada a chamada: “Jornalista agredido na sede do MTE (Ministério do Trabalho e Emprego) denuncia falta de respeito com trabalhador”. A notícia, que preciso reproduzi-la “in verbis”, é a seguinte:

[...] “Ao servidor do Ministério do Trabalho Sérgio Rodrigues, encarregado de recepcionar as pessoas e lhes dirigir ao setor correto para serem atendidas, coube apenas ouvir as lamentações e, ao tentar explicar o que estava ocorrendo no local, conseguiu apenas deixar o público ainda mais irritado.
– Tenho que reconhecer que há uma falta de organização do serviço. Passam por aqui, por dia, mais de 200 pessoas, mas o sistema da Caixa Econômica Federal está com problemas há mais de um mês. Um simples documento que o trabalhador precisa retirar, na agência que fica aqui no térreo, demora horas. Além disso, falta pessoal para atender ao público. Muita gente pediu demissão, saiu devido aos baixos salários e foi buscar emprego onde ganha um pouco mais. Sem contar o pessoal que saiu de férias, sem que alguém substituísse as posições em aberto – afirmou.
A explicação do responsável pelo setor, Ricardo Leite, para a falta de atendimento ao público não foi muito mais longe.
Dependemos da Caixa para liberar os documentos e, devido à série de problemas na área de informática, acaba atrasando também o serviço da gente aqui – repetiu.
Enquanto o repórter ouvia ao público e aos funcionários do MTE, no entanto, foi abordado pelo agente de segurança do Tribunal Regional do Trabalho Jorge Nelson que, visivelmente alterado, tentou impedir que a reportagem do Correio do Brasil fosse adiante. Interpelado com grosseria e instado a deixar o local, imediatamente, o jornalista recusou-se a abandonar a matéria em curso, no que recebeu o apoio das mais de 40 pessoas que já se aglomeravam no local, após ouvir do policial que o repórter eraum agitador subversivo”. Diante da recusa de Gilberto de Souza, Nelson desferiu um violento soco na direção do repórter, atingindo-o na altura do pescoço e quebrando-lhe os óculos que estavam afixados na camisa.
– Não revidei de imediato porque, em uma fração de segundos, percebi que, se devolvesse a agressão a um agente federal, uniformizado, poderia receber voz de prisão ali mesmo e, assim, o agressor teria conseguido o seu intento, que era o de impedir que continuasse com a reportagem. Em vez de me envolver na briga, fiz melhor: liguei para o telefone da Polícia Militar, o 190, e relatei ao atendente que acabara de ser agredido por um segurança do Tribunal Regional do Trabalho – relata o editor-chefe do CdB.
A atitude do jornalista irritou ainda mais o agressor, que precisou ser contido por outros seguranças presentes na confusão. Em cerca de 10 minutos, no entanto, o sargento PM Moreno compareceu ao local e, após ouvir os relatos de ambas as partes, encaminhou o caso à Delegacia da Polícia Federal, na Praça Mauá, por se tratar de uma agressão cometida por um agente federal. Uma vez na sede da PF, o delegado Flávio Assis Gomes Furtado abriu o Registro de Ocorrência de número 576/2013, para que as testemunhas do fato possam falar em um processo contra o agressor, que poderá ser punido até com a demissão do cargo que ocupa no TRT, multa e prisão administrativa.” [...].

A notícia, se formatada em estilo de literatura dramática, caberia de maneira ululante no acervo literário de Nelson. Pessoas do povo chegando ao Ministério do Trabalho e Emprego na madrugada e esperando o dia inteiro para serem atendidas; um repórter investigativo protagonizando a dramaturgia adentra o MTE e mobiliza os do povo a pensar; Sérgio Rodrigues, ator coadjuvante, tenta explicar que nada está funcionando e que os funcionários do MTE pediram demissão por ganharem salários aviltantes; o sistema da Caixa Econômica não funciona...; quando então, surge Jorge Nelson, o vilão, que aplica violento soco no reporte, defenestrando seus óculos apensos ao bolso de sua camisa. Dando uma prova de civilidade, o reporte utiliza o telefone, que felizmente funcionou, ligando para a Polícia Militar. Na sequência, o Sargento Moreno ouve as partes (sensacional!) e decide encaminhar o caso à Delegacia da Polícia Federal (uma aula de jurisdição).

Essa estapafúrdia história acontece diariamente em cidades brasileiras. Só não chegam às mídias por falta de repórteres investigativos denunciando e estimulando o povo a pensar sobre o que o Estado está fazendo com os cidadãos brasileiros. Jorge Nelson e Moreno são símbolos dos profissionais da área de segurança que tanta insegurança transmitem ao povo, para não usar a expressão medo. E a qualidade do serviço público no país que mais cobra tributos e aplica multas é inversamente proporcional aos valores arrecadados, podendo ser considerados como infração constitucional e penal, pois atingem o princípio da dignidade humana e funcionam como tribunais de exceção na medida em que sentenciam o cidadão a não usufruir direitos assegurados em Leis, os quais, em muitos casos, são direitos deveres, ou seja, uma obrigação criada por uma Lei.


Não consegui pensar em outro título para este texto se não “O Samba do Crioulo Doido” de Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto). É uma doideira que poderia virar samba, então optei pelo plágio, ainda que mudando as palavras, mas poderia criar outro título, quem sabe: “O Samba do País dos Tolos”, ou ainda, “A Demência do Povo no Estado do Samba”.