Costumamos definir significados e passar a compreender a
vida através deles. O sol é alegria, a chuva é melancolia e por aí vai. Mas os
significados são diferentes de pessoa para pessoa, pela simples razão de que
são as pessoas que atribuem significação as coisas, fatos, valores, indivíduos,
paisagens e toda a sorte de formas.
Curiosamente, costumamos pensar dialeticamente até formarmos
o conceito significante. Após definido, os significados se cristalizam em
dogmas e não há mais no que pensar. É necessária uma grande tragédia para
des-dogmatizar um significado; tomamos como um exemplo uma doença de morte para
modificar o significado do dinheiro, ou o desemprego para mudar o significado
da empresa, ou, até mesmo, da empregabilidade.
Nos anos em que a América Latina vivia sob o Regime Político de Exceção, em que os
países eram governados por militares de extrema direita, fruto de Golpe de Estado, quando foram suprimidos da população os Direitos e Garantias Individuais e
Coletivas, um grande número de pessoas, naturalmente crianças, interessados
ou parvos, atribuíram a ditadura implantada o significado protetivo do
comunismo. O povo temia o comunismo por medo de perda da liberdade e pelo
ateísmo doutrinário. Foi necessário que o regime soviético apodrece-se, fazendo
milhares de vítimas dentro e fora dos seus territórios para que o povo
entende-se que o marxismo é apenas uma teoria sem nenhuma ciência, como agora
presenciamos a falência do liberalismo, igualmente teórico e desprovido de
qualquer embasamento científico.
Mas as pessoas demoram a se desfazer dos dogmas. Somente o
sofrimento extremo pode despertar um cérebro dogmatizado. “Eu posso competir em
condições de igualdade”... nem o nossos rostos são iguais, sempre existe uma
diferença entre o lado direito e esquerdo. Então eu pergunto: por que o culto
ao liberalismo? Será uma infinita solidariedade ao Deutsche Bank, que, propositadamente, emprestou ao Governo Grego
muito mais do que o a Grécia tinha possibilidade de honrar; não se pode perder
de vista que Estado não fale, ele arrocha o cidadão, arrocha o sistema
produtivo, reescalona a dívida, mas não pode falir.
Mas apesar de tudo, o mundo liberal acredita em liberdade,
democracia, direito e milagres, especialmente econômicos, esta aí a “teologia
da prosperidade” do Macedo, diga-se de passagem, um exemplo vivo de
prosperidade.
Como dizer que estes dogmas são mentirosos sem ser taxado de
comunista marxista? Porque essa é a punição dos liberais quando confrontados.
Então a vítima é silenciada pelo descrédito de uma ideologia de cujo.
Em 1973, Chico Buarque e Gilberto Gil compuseram uma música
intitulada “Cálice”. Uma obra de arte, de genialidade, batendo forte no regime
militar, a música ficou cinco anos proibida de ser gravada pela censura
militar.
Não posso deixar de reproduzir a letra: No You Tube você
pode ouvir a canção.
Refrão:
Pai! Afasta de mim esse cálice
Pai! Afasta de mim esse cálice
Pai! Afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue ... (2x)
Estrofes:
Como beber dessa bebida amarga;
Tragar a dor e engolir a labuta?
Mesmo calada a boca resta o peito.
Silêncio na cidade não se escuta.
De que me vale ser filho da santa?!
Melhor seria ser filho da outra;
Outra realidade menos morta;
Tanta mentira, tanta força bruta.
Como é difícil acordar calado
Se na calada da noite eu me dano.
Quero lançar um grito desumano,
Que é uma maneira de ser escutado.
Esse silêncio todo me atordoa...
Atordoado eu permaneço atento
Na arquibancada, prá a qualquer momento
Ver emergir o monstro da lagoa.
De muito gorda a porca já não anda.
(Cálice!)
De muito usada a faca já não corta.
Como é difícil, Pai, abrir a porta...
(Cálice!)
Essa palavra presa na garganta...
Esse pileque homérico no mundo.
De que adianta ter boa vontade?
Mesmo calado o peito resta a cuca
Dos bêbados do centro da cidade.
Talvez o mundo não seja pequeno,
(Cale-se!)
Nem seja a vida um fato consumado.
(Cale-se!)
Quero inventar o meu próprio pecado.
(Cale-se!)
Quero morrer do meu próprio veneno.
(Pai! Cale-se!)
Quero perder de vez tua cabeça! (Cale-se!)
Minha cabeça perder teu juízo.
(Cale-se!)
Quero cheirar fumaça de óleo diesel.
(Cale-se!)
Me embriagar até que alguém me esqueça.
(Cale-se!)
Saber que 80% da economia mundial está sob o controle de 737
corporações mundiais; “Talvez o mundo não seja pequeno, (Cale-se!)”. Saber que
o trabalho é a escravidão corporativa e não um meio de vida; “Como beber dessa
bebida amarga; Tragar a dor e engolir a labuta?” As pessoas não tem mais
capacidade crítica! Acreditam, acreditam e acreditam; “Esse pileque homérico no
mundo. De que adianta ter boa vontade?” Ninguém é responsável por nada, todos
se consideram vítimas de deuses ou de demônios; “Quero inventar o meu próprio
pecado. Quero morrer do meu próprio veneno”. Eu quero estabelecer o meu
significado!
Quem
sabe existam pessoas com a coragem de ser? Quem sabe você pode se indignar
tanto quanto eu estou indignado? E para os apologistas de direita e esquerda eu canto: “Quero
perder de vez tua cabeça! Minha
cabeça perder teu juízo”.
Abraços,
Wagner Winter