Tenho percebido uma tendência extravagante da utilização da
hermenêutica política no Direito Pátrio, e mais, os Poderes Políticos da
República tentam de toda a sorte, constranger o Poder Judiciário, em especial,
o STF. Quase as vésperas do IX Exame Unificado da OAB, diga-se de passagem, uma
vergonha sem defesa, salvo na curta inteligência dos parvos; lembro-me do lobby
da OAB e suas alianças que constrangeram o STF afirmar de sua
constitucionalidade, verdadeiro corporativismo dos operadores do Direito.
Atualmente, é senso comum que para todas as profissões liberais deveriam
existir exames, como se isso fosse resolver os problemas da educação do país e
permitir que os profissionais melhor preparados ingressem no mercado de
trabalho gerando a exclusão dos menos capacitados. Tudo é uma grande mentira!
Quem estuda para passar neste tipo de prova, não estuda o Direito. O que vale é
o estoque de mais de cem mil candidatos pagando duzentos reais, três vezes por
ano.
Ao findar o julgamento da AP 470 subsiste a dúvida se
apenados podem perder o mandato por decisão judicial. Declarou o Presidente da
Câmara dos Deputados que não respeitará a decisão do STF, caso seja declarada a
perda dos mandatos. Uma insubordinação afrontosa a independência dos Poderes
Republicanos. Quando os constituintes de 1988 recepcionaram o Art. 55, § 2º, o fizeram sob o efeito
das trevas da ditadura militar. Observemos o fato de que o referido parágrafo
trata dos incisos I, II e VI; os dois primeiros tratam de regramento
comportamental e o último de condenação criminal com sentença transitada e
julgada. Uma leitura mais atenta pode-se verificar a inconsistência do
parágrafo segundo com o inciso VI, assim diz o texto: “Nos casos dos incisos I,
II e VI, a perda do mandato será decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo
Senado Federal, por voto secreto e maioria absoluta, mediante provocação da
respectiva Mesa ou de partido político representado no
Congresso Nacional, ASSEGURADA AMPLA DEFESA”; de quem se já transitou
julgado?
Para piorar, o parágrafo terceiro do mesmo artigo estabelece
rito sumário declaratório da respectiva mesa da casa parlamentar quando da
perda dos direitos políticos, o que acontece, entre outros motivos, quando de
sentença condenatória a perda da liberdade transitada e julgada na esfera
penal.
Fazendo uma retrospectiva histórica da construção do texto
constitucional, o Ministro Gilmar Mendes aborda os registros dos debates desta
matéria, quando da votação do texto e exara em seu voto o seguinte comentário:
“Ao transpor o inciso VI (perda de mandato por condenação criminal) do § 3º
(declaração da Mesa da Casa Legislativa) para o § 2º (decisão deliberativa da
Casa Legislativa), o legislador constituinte acabou produzindo (ao que tudo
indica de forma irrefletida e não intencional) uma real antinomia (em relação
ao art. 15, III) e uma clara incongruência na sistemática de perda de mandato
(ante as hipóteses de perda de mandato por improbidade administrativa e por
suspensão dos direitos políticos)”. Observemos a redação do Art. 15, III: Caput.
É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará
nos casos de: III - condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem
seus efeitos.
Se for para vivermos sob a letra kelseniana, melhor esquecer
a teoria do conhecimento, o conceito de evolução do pensamento, bem como, o
desenvolvimento cultural e tecnológico. Ou então estamos enganados, a
principiologia e o positivismo são chaves hermenêuticas usadas na conveniência
da hora, um jogo político para subjugar o Direito.
Já existe uma longa pauta de provocações do Poder Judiciário
por entes dos poderes políticos: os royalties do petróleo; denuncia do PDT
sobre a segurança e possível fraude no processo eleitoral eletrônico; O Partido
Socialismo e Liberdade (PSOL), a Confederação dos Servidores Públicos do Brasil
(CSPB) e a Associação dos Delegados de Polícia do Brasil (Adepol) ajuizaram
Ações Diretas de Inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal nas quais
pedem que seja declarada a inconstitucionalidade da Emenda Constitucional
41/2003, a Reforma da Previdência. A alegação é a de que a matéria foi aprovada
mediante compra de votos de parlamentares que eram liderados por réus
condenados pela corte na Ação Penal 470, o processo do mensalão. As três ADIs
foram distribuídas à ministra Cármen Lúcia (http://www.conjur.com.br/2012-dez-13/adis-questionam-reforma-previdencia-base-julgamento-mensalao);
o mensalão do PSDB e por aí vai uma lista imensa.
Por mais que se deseje uma justiça célere, restando, ainda,
a reforma do judiciário não iniciada, obsta contra toda possibilidade de
celeridade as divergências doutrinárias e o sistema normativo do nosso Direito
impregnado de pânico do último regime de exceção. Exacerba o legislador e os
magistrados nas garantias individuais e coletivas, a saber, parece não
existirem pessoas perversas em nosso país, tampouco psicopatas, pedófilos,
organizações criminosas, quadrilhas, narcotraficantes e outros. Tamanho o pavor
pela injustiça, pelo cerceamento dos direitos fundamentais que a justiça ficou
curta, já se houve rumores de que a privação de liberdade não é o melhor meio
de punição e sim as multas pecuniárias. Ora, no país em que impera a corrupção,
quem acaba pagando as multas é o próprio erário, ou seja, a sociedade.
Se a política é a arte do possível, como definiu Otto von Bísmarck, quem sabe possamos compreender o Direito e a Jurisdição
do Estado, igualmente, como a arte do possível ou a ciência do impossível.
Rio de Janeiro, 15 de dezembro de 2012.