O tempo é um eterno fugitivo, por isso, a vida deve ser intensa e a intensidade de viver advém de valores benéficos a sua continuidade, pois o dia seguinte está por amadurecer e deverá ser vivido com a mesma intensidade de hoje. Tempus Fugit, Carpe Diem.

domingo, 28 de outubro de 2012

AS DIVERGÊNCIAS NO JULGAMENTO DO MENSALÃO


Tenho acompanhado quase todas as sessões do julgamento da AP 470 pelo STF, assim como, acompanhado pela mídia as principais repercussões. Ao meu sentir, não restam dúvidas quanto ao despreparo dos jornalistas para realizar a cobertura do julgamento e, por extensão, qualquer outra matéria ligada ao Direito. O fato parece-me grave, pois a informação divulgada por profissionais que não conseguem entender o que está acontecendo é, minimamente, uma desinformação muito perigosa, podendo macular a imagem pública do STF e do Direito. Necessário é destacar a boa cobertura da TV Justiça, mesmo não adentrando ao fulcro das divergências, mantém-se em nível técnico e pedagogicamente ao alcance do cidadão comum.

Jornalistas da Globo News destacaram  negativamente a posição do Ministro Ricardo Lewandowski no exercício de Revisor, estabelecendo o contraditório ao voto do Relator, contudo, na fase da dosimetria das penas, os mesmos jornalistas, criticam, de modo direto e ostensivo, o montante das penas aplicadas pelo Relator ao Réu Marcos Valério, chegando a qualificá-las como desumanas. É de se perguntar por onde anda a indignação da nação provocada pelas mesmas grandes mídias do País.

Povo nenhum merece confiança, as massas são desprovidas de moral, ainda que sejam grupos de profissionais, representantes de grandes corporações; já nos dizia Nietzsche. Especialmente no Brasil, o apenamento justo ou necessário, tem o condão de transformar os vilões em vítimas, merecendo a compaixão popular, sem prejuízo do sentimento de revolta quando o povo acha que, em caso de absolvição do Réu por um crime do colarinho branco, o julgamento acabou em pizza.

As divergências vistas no julgamento merecem uma, ainda que rápida e superficial, indicação de sua natureza filosófica, sob pena de ficar o povo e os jornalistas, sem saber o que leva o colegiado do STF a colisões tão opostas de valores e juízos. São divergências de natureza doutrinária, evidenciando o momento de transição filosófica do Direito Brasileiro. O Direito pátrio, em especial o Direito Penal, é fundado no positivismo de Augusto Comte (França), interpretado por Hans Kelsen (Áustria), principal jurista positivista da História do Direito. “Kelsen privou dos neopositivistas lógicos do Círculo de Viena, nutrindo a purificação das ciências em face de preocupações metafísicas, na crise epistemológica que admitia que a ciência não poderia pronunciar juízos de valor.” (Hans Kelsen e a Tradição do Direito Romano, Por Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy, publicado no site www.conjur.com.br). Literalista e contrário à hermenêutica jurídica, os fatos precisavam preencher inteiramente os requisitos das normas jurídicas, daí, ser inconcebível a aplicação da Teoria do Domínio do Fato, bem como a aplicação pelo julgador da racionalização indutiva e dedutiva.

Ouso dizer que a visão positivista de Kelsen ficou obsoleta no tempo e espaço, mas seus seguidores ainda existem a exemplo dos Ministros do STF Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli, este último, autor de notas introdutórias na edição brasileira de 2011 da biografia de Kelsen. Naturalmente que, além dos citados ministros, muitos outros magistrados e juristas brasileiros professam o positivismo de Kelsen nos dias atuais. Tida por muitos como o “berço da cultura jurídica” brasileira, a Faculdade de São Francisco na capital paulista, é o centro mantenedor e difusor das tradições kelsenianas.

Outra linha positivista, oriunda do Direito Alemão, busca em Kant os fundamentos teóricos para o estabelecimento de sua doutrina. Ao meu sentir, Kant é o mais importante e robusto pensador do criticismo alemão e a sua obra fornece os fundamentos para todo o desenvolvimento do racionalismo positivista. Na linha do pensamento kantiano, o Direito admite a hermenêutica e ganha verdadeira metodologia científica. O fato concreto admite o conhecimento a priori e, por ser fato concreto, o conhecimento a priori se fará conhecimento analítico a partir da análise hermenêutica indutiva e dedutiva em movimento contrário. Harmoniza-se com a Teoria do Domínio do Fato, única forma conhecida para vencer determinados delitos, tais como, formação de organização criminosa, quadrilha, colarinho branco e outros, cujo núcleo mandante não realiza nenhuma operação diretamente.

Este é um simplório resumo com o propósito de destacar os reais fundamentos das divergências do STF no julgamento da AP 470. Entendido desta forma fica mais fácil compreender a razão pela qual o Ministro Toffoli não se considerou impedido para participar do julgamento, bem como, os seus votos, do Ministro Relator e dos demais Ministros mais novos a exceção do Ministro Luiz Fux, que professa a mesma escola predominante na Corte Suprema.