Tenho acompanhado quase todas as sessões do julgamento da AP
470 pelo STF, assim como, acompanhado pela mídia as principais repercussões. Ao
meu sentir, não restam dúvidas quanto ao despreparo dos jornalistas para
realizar a cobertura do julgamento e, por extensão, qualquer outra matéria
ligada ao Direito. O fato parece-me grave, pois a informação divulgada por
profissionais que não conseguem entender o que está acontecendo é, minimamente,
uma desinformação muito perigosa, podendo macular a imagem pública do STF e do
Direito. Necessário é destacar a boa cobertura da TV Justiça, mesmo não
adentrando ao fulcro das divergências, mantém-se em nível técnico e pedagogicamente
ao alcance do cidadão comum.
Jornalistas da Globo
News destacaram negativamente a
posição do Ministro Ricardo Lewandowski no exercício de Revisor, estabelecendo
o contraditório ao voto do Relator, contudo, na fase da dosimetria das penas,
os mesmos jornalistas, criticam, de modo direto e ostensivo, o montante das
penas aplicadas pelo Relator ao Réu Marcos Valério, chegando a qualificá-las
como desumanas. É de se perguntar por onde anda a indignação da nação provocada
pelas mesmas grandes mídias do País.
Povo nenhum merece confiança, as massas são desprovidas de
moral, ainda que sejam grupos de profissionais, representantes de grandes
corporações; já nos dizia Nietzsche. Especialmente no Brasil, o apenamento
justo ou necessário, tem o condão de transformar os vilões em vítimas,
merecendo a compaixão popular, sem prejuízo do sentimento de revolta quando o
povo acha que, em caso de absolvição do Réu por um crime do colarinho branco, o
julgamento acabou em pizza.
As divergências vistas no julgamento merecem uma, ainda que
rápida e superficial, indicação de sua natureza filosófica, sob pena de ficar o
povo e os jornalistas, sem saber o que leva o colegiado do STF a colisões tão
opostas de valores e juízos. São divergências de natureza doutrinária,
evidenciando o momento de transição filosófica do Direito Brasileiro. O Direito
pátrio, em especial o Direito Penal, é fundado no positivismo de Augusto Comte
(França), interpretado por Hans Kelsen (Áustria), principal jurista positivista
da História do Direito. “Kelsen privou dos neopositivistas lógicos do Círculo
de Viena, nutrindo a purificação das ciências em face de preocupações
metafísicas, na crise epistemológica que admitia que a ciência não poderia
pronunciar juízos de valor.” (Hans Kelsen e a Tradição do Direito Romano, Por
Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy, publicado no site www.conjur.com.br). Literalista e contrário
à hermenêutica jurídica, os fatos precisavam preencher inteiramente os
requisitos das normas jurídicas, daí, ser inconcebível a aplicação da Teoria do
Domínio do Fato, bem como a aplicação pelo julgador da racionalização indutiva
e dedutiva.
Ouso dizer que a visão positivista de Kelsen ficou obsoleta
no tempo e espaço, mas seus seguidores ainda existem a exemplo dos Ministros do
STF Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli, este último, autor de notas
introdutórias na edição brasileira de 2011 da biografia de Kelsen. Naturalmente
que, além dos citados ministros, muitos outros magistrados e juristas
brasileiros professam o positivismo de Kelsen nos dias atuais. Tida por muitos
como o “berço da cultura jurídica” brasileira, a Faculdade de São Francisco na
capital paulista, é o centro mantenedor e difusor das tradições kelsenianas.
Outra linha positivista, oriunda do Direito Alemão, busca em
Kant os fundamentos teóricos para o estabelecimento de sua doutrina. Ao meu
sentir, Kant é o mais importante e robusto pensador do criticismo alemão e a
sua obra fornece os fundamentos para todo o desenvolvimento do racionalismo
positivista. Na linha do pensamento kantiano, o Direito admite a hermenêutica e
ganha verdadeira metodologia científica. O fato concreto admite o conhecimento a priori e, por ser fato concreto, o
conhecimento a priori se fará
conhecimento analítico a partir da análise hermenêutica indutiva e dedutiva em
movimento contrário. Harmoniza-se com a Teoria do Domínio do Fato, única forma
conhecida para vencer determinados delitos, tais como, formação de organização
criminosa, quadrilha, colarinho branco e outros, cujo núcleo mandante não
realiza nenhuma operação diretamente.
Este é um simplório resumo com o propósito de destacar os reais
fundamentos das divergências do STF no julgamento da AP 470. Entendido desta
forma fica mais fácil compreender a razão pela qual o Ministro Toffoli não se
considerou impedido para participar do julgamento, bem como, os seus votos, do Ministro
Relator e dos demais Ministros mais novos a exceção do Ministro Luiz Fux, que
professa a mesma escola predominante na Corte Suprema.