O tempo é um eterno fugitivo, por isso, a vida deve ser intensa e a intensidade de viver advém de valores benéficos a sua continuidade, pois o dia seguinte está por amadurecer e deverá ser vivido com a mesma intensidade de hoje. Tempus Fugit, Carpe Diem.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

A ÉTICA EMPRESARIAL E A GUERRA MERCADOLÓGICA


Escrevi os dois artigos anteriores que, a priori, não analisam profundamente nenhum mercado, também não sugerem auto-ajuda, muito menos, parecem tratar de questões relevantes à economia globalizada.

Não pretendo, no dizer Kantiano, transformar os conhecimentos a priori, esboçados nos dois textos citados, em um conhecimento plenamente analítico. Várias são as razões; tempo, tamanho do texto e geração de divergências inúteis à idéia de criar o interesse e desafiar o cérebro dos leitores a um pensar com maior profundidade.

Ética é algo exclusivo dos seres humanos. Ainda não é uma moral, mais um conjunto de valores que o processo cognitivo transforma em moral, ou princípios de conduta, que é um conceito bem mais amplo e menos dogmático. Por óbvio, que as religiões estão enraizadas nesse conjunto de valores éticos e influenciam diretamente o processo cognitivo de qualquer ser humano. Nesse diapasão, podemos de plano, concluir que empresas, por serem pessoas jurídicas ou uma ficção jurídica, não podem possuir valores exclusivos da pessoa humana. Empresas jamais poderão ter éticas ou deixar de ter. Contudo, não se pode falar o mesmo da moral empresarial. A moral está presente por influências externas de cunho social-cultural, religioso e legal. A moralidade das pessoas jurídicas está expressa em seus contratos sociais e são reguladas pelas leis que regem as atividades empresariais, dessa forma, podemos concluir que entes empresariais têm uma moral definida pelos vários legisladores e regulamentada pelos Poderes Públicos competentes.

Desde logo, podemos intuir que as moralidades empresariais são por demais frágeis para resistir aos princípios de conduta fundantes que as regulam. Os próprios processos éticos dos agentes empresariais, dos sócios ou dos acionistas, levando em conta as definições de ética tratadas no primeiro texto, podem opor-se a moralidade empresarial. Nesse contexto, a moralidade religiosa tem papel preponderante de controle social, pois as sanções são por demais pesadas e se resumem na exclusão ou condenação moral dos grupos sociais, incluindo as diversas sociedades empresariais, e a maldição dos deuses. Para algumas religiões tal maldição seria a vida ou a morte no inferno.

A conhecida concentração global de corporações não acontece pela competência empresarial natural ou pela excelência tecnológica de determinada empresa, mas de sua capacidade estratégico-econômica de esmagar concorrentes à exaustão, até que seja aceita a oferta de venda ou aconteça a morte do mesmo. É interessante observar que no liberalismo econômico, pressupondo que seja em um Estado Democrático de Direito, isso acontece em razão do BOM, ética do movimento sazonal. No neo-socialismo, pressupondo, igualmente, um Estado Democrático de Direito, o fenômeno acontece na iniciativa privada e no Estado que tenta disputar o poder econômico com os mercados. Os movimentos estatais e privados se definem pela sazonalidade das circunstâncias econômicas e políticas. Nos Estados totalitários a existência de empresas privadas possui uma precariedade tão grande que inexiste uma moral que não seja definida e imposta pelo governo. Tanto nos Estados comunistas, como nos Estados teocêntricos, prevalece a vontade do governo, que é sazonal, não só por fatores econômicos, mas também, pela sustentabilidade do governo ou do regime totalitário.

Se bem observarmos, a humanidade é moldada e contida pela moralidade dos mercados ou dos estados, tornam-se rebanhos domesticados que não escolhem nem o pasto para se alimentar ou o tempo de permanecer no campo e, tudo isso, validado pelas religiões que são poderosos instrumentos de controle social, pois pregam a submissão existencial e criam esperanças no porvir. No marxismo a religião permanece existindo, independente do ateísmo estatal, mas para muitos a religião é substituída pela submissão militar e pela doutrinação permanente do governo.

As razões para o aprisionamento da essência existencial humana são várias, porém, destacamos os processos educativos que deformam a capacidade cognitiva humana, gerando uma moral consumista e incapaz de viver fora dos limites dos mercados e das religiões, que, como já falamos, consolam a vida dos engaiolados e projetam esperanças de liberdade e felicidade no porvir. Dentro desse cenário, a felicidade é fundada no bom, que pode ser traduzido pelo ter. As lutas pelo dia-a-dia se tornam batalhas medievais, onde vencer é o objetivo para deixar as corporações ou os estados com maior número de gaiolas e de seres engaiolados. Quem tentar quebrar as morais existentes, de certo será destruído ou banido dos mundos corporativos ou estatais.

No caso, os reais valores existenciais não são desprezados, mas destorcidos para motivarem toda sorte de sacrifícios que justifiquem o aprisionamento aos sistemas econômicos, sejam privados ou estatais. Por exemplo, a ausência do convívio familiar e a consequência falta de afeto, para oferecer a oportunidade aos filhos de estudares nos melhores colégios e faculdades do mundo e oferecer à família sete a quinze dias de férias nos mais caros lugares do planeta.

A felicidade é fugaz e a liberdade utopia.

Deixo uma pergunta: Por que as pessoas não se libertam e realizam o que realmente gostam, buscando a felicidade em tudo que fazem e em tudo que são?

Quando era um jovem em idade de trabalho, empreendedor de certo, pensava em ganhar muito dinheiro e parar de trabalhar aos quarenta anos. Descobri minha vocação quando me recusei a ser engaiolado por mercados e religiões, percebi, também, que o universo acadêmico transforma os conhecimentos em commodities, me obrigando a desenvolver o senso crítico e ter princípios hermenêuticos confiáveis. Hoje, a aposentadoria não está nos meus planos. Estou sempre disponível para a vida e para tudo o que me faz feliz.

Ensejando uma vida feliz a todos os meus amigos.

Abraços,
Wagner Winter.

Tempos de Guerra


Como imaginar uma guerra ideológica, entre deuses de todas as religiões? Mas é o que acontece. Vivemos em um mundo dividido entre fundamentalistas radicais, ortodoxos, moderados e liberais, nas religiões que se tornaram o prisma de todo o pensamento civilizatório global.

Dialeticamente se existe o bem, representado pelos deuses, há de existir, também, o mal, representado pelos diabos ou falsos deuses.

E nessa confusão devocional, encontramos como fulcro para tanta violência e opressão, projetos de poder, de domínio, dos quais não conheço nenhum chancelado por qualquer dos deuses apregoados pelas religiões.

O bem já quase não existe. Vivesse a era do bom! O bem é comunitário e se comunica ao infinito, já o bom é momentâneo e favorece a interesses de pequenos grupos sociais.

O bem foi proibido pelos deuses que exigem lealdade de seus adoradores em troca de uma benção subjetiva e sustento enquanto úteis nessa vida. Pastos são para rebanhos e não para humanos! ...eles (os deuses) nos fazem descansar em pastos verdejantes.... A humanidade se descobriu dependente de pastos para alimentar-se. Mas existem aqueles, poucos, é verdade, que se enxergam como humanos e desprezam a tutela das interesseiras religiões.

Somente os humanos podem ser verdadeiramente livres e transbordantes de humanidade e viverem a plenitude das potencialidades que o criador lhes capacitou.
Wagner Winter

ÉTICA EMPRESARIAL. É POSSÍVEL?


Este texto começou quando abri o site do Linkedin e entrei em um dos grupos de que participo, tendo encontrado a seguinte proposta para discussão: O que é Ética? Sabe-se que é "bonito", mas é MESMO importante, do ponto de vista da Empresa Brasileira, na relação B2B, ter um fornecedor Ético? Como mensurar esse ganho? A proposta do tema foi do Oswaldo Ogihara, Diretor Executivo at Ceppe - Centro Paulista de Psicologia e Educação e teve uma repercussão imensa, totalizando 79 comentários.

Pensei em escrever um breve comentário para participar da discussão, mas não consegui e acabei por decidir criar o presente texto, permitindo aos muitos amigos outra forma de reflexão a partir a primeira propositura. Trago na minha história de vida várias experiências que me ajudam a compreender os momentos pelos quais passamos, ou somos obrigados a passar. Participo do frenesi do mercado e estou ligado à Teologia, Filosofia e ao Direito, nessa última área de interesse, conclui meu bacharelado em dezembro de 2011.

É preciso fazer uma modificação na forma usual de entendimento da palavra ética para melhor compreensão das questões levantadas e das que pretendo abordar. A primeira é que ética é um processo cognitivo, portanto, empresas não possuem ética pois são uma abstração jurídica. A ética está presente nos agentes da pessoa jurídica, particularmente e especialmente em seus dirigentes e acionistas. A segunda questão está relacionada aos atos praticados pelos agentes, que, ao se materializarem ou se efetivarem, deixam de pertencer ao plano ético, ou seja, do pensar, do avaliar, da compreensão cognitiva, para adentrar o plano da moral. A exemplo disso, podemos tomar a elaboração de um manual de conduta, que é um processo ético enquanto está em elaboração, tornando-se um código de conduta moral quando de sua validação e aplicação. Pode-se dizer que a ética é um filtro da conduta humana por onde passam todos os questionamentos que determinarão uma ação.

De forma muito resumida abordarei a história da ética no que é fundamental para o momento. Platão foi o primeiro a sistematizar a ética na forma de ciência da conduta, onde o bem representava o desejo existencial humano. Platão definiu duas concepções fundamentais dessa ciência: A) a primeira que a considera como ciência do fim a que a conduta dos homens se deve dirigir e dos meios para atingir tal fim; e deduz tanto o fim quanto os meios da natureza do homem; B) a segunda a que a considera como a ciência do móvel ou da motivação da conduta humana e procura determinar tal móvel com vistas a dirigir ou disciplinar a mesma conduta.

Quando, na filosofia contemporânea, a noção de valor começou a substituir a de bem, a antiga alternativa entre ética do fim e ética da motivação assumiu nova forma. As doutrinas que reconhecem a necessidade do valor, ou seja, sua absolutividade, sua eternidade, etc, têm estreito parentesco com as doutrinas éticas tradicionais do fim, ao passo que as doutrinas que reconhecem a problematicidade do valor são estreitamente aparentadas com as doutrinas éticas da motivação.

A segunda concepção fundamental da ética é a que se configura como uma doutrina do móvel da conduta. A característica dessa concepção é que nela o bem ou o valor não é definido com base na sua realidade ou perfeição, mas só como objeto da vontade humana ou das regras que a dirigem. Assim, enquanto na primeira concepção as normas derivam do ideal que se assume como próprio do homem (a perfeição da vida racional, segundo Aristóteles; o Estado, segundo Hegel; a sociedade fechada ou aberta, segundo Bergson, etc); na segunda concepção procura-se em primeiro lugar determinar o móvel ao homem, ou seja, as normas que ele de fato obedece; portanto, define-se como bem aquilo a que se tende em virtude desse móvel, ou aquilo que se conforma à norma em que ele se exprime.

De acordo com Nicola Abbagnano o princípio da ética de Epicuro tem o mesmo significado de reconhecimento daquilo que, de fato, é o móvel da conduta humana: "Prazer e dor são as duas afeições que se encontram em todo animal, uma favorável e outra contrária, através das quais se julga o que se deve escolher e o que se deve evitar" (DIÓG. L, X, 34). Essa concepção de ética esteve ausente durante toda a Idade Média e só é retomada no Renascimento. Lorenzo Valia foi o primeiro a reapresentá-la em De voluptate, afirmando que o prazer é o único fim da atividade humana e que a virtude consiste em escolher o prazer (De vol, II, 40). Telésio reapresenta a outra alternativa tradicional da mesma concepção (De rer. nat, IX, 2), extraindo as normas da ética do desejo de conservação que existe em cada ser. Com rigor e sistematização, Hobbes via nesse mesmo princípio o fundamento da moral e do direito: "O principal dos bens é a autoconservação. Com efeito, a natureza proveu a que todos desejem o próprio bem, mas para que possam ser capazes disso é necessário que desejem a vida, a saúde e a maior segurança possível dessas coisas para o futuro.

O Liberalismo Inglês está fundado no modelo ético do móvel, do desejo, da autoconservação, da norma da vontade humana, dessa forma a estrutura econômica, social e jurídica predominante no mundo global é o modelo ético fundante do liberalismo. As características básicas são: o individualismo, a competitividade, a produtividade, a autoproteção do que se entende por valor e o imediatismo.

Desta forma, precisa-se conhecer o que os acionistas e dirigentes corporativos entendem por valores e o que esperam do desempenho e resultados das respectivas empresas para que a equipe de trabalho possa se preparar, tanto no planejamento quanto nas ações, cientes que as metas precisam ser atingidas e a produtividade melhorada dia a dia. Essas premissas garantem a empregabilidade, a renda familiar dos trabalhadores e funcionam como motores que impulsionam a economia.

Para quebrar o academicismo, cito uma máxima de Nelson Rodrigues: “― Há homens que, por dinheiro, são capazes até de uma boa ação”.

No mês de dezembro de 2010, as montadoras de automóveis, de forma geral, faturaram a quantidade de carros correspondentes às coberturas de suas cotas contra as concessionárias (informação Valor Econômico), dessa forma, apresentaram o pleno cumprimento de metas aos controladores. É uma estratégia moralmente aceitável, derivada de uma reflexão ética que determinou ser melhor usar do referido expediente a tentar justificar o insucesso.

Como exemplo de outros mercados, o de Telecom possui inúmeras falhas de sistemas de TI, especialmente com a integração dos mesmos. Os custos não justificam os investimentos em prazos razoavelmente longos, tanto que já se passou mais de uma década da privatização e as evoluções, nesse sentido, não são muito relevantes. Que executivo sugeriria parar a captação de clientes e estruturar os sistemas para o perfeito atendimento da demanda atual com reserva tecnológica para um crescimento anual de x%. Levando os consumidores a exaustão, as empresas assinam termos de ajuste conduta com a ANATEL, tendo a anuência do Ministério Público e estabelecendo no orçamento anual os custos judiciais.

O agronegócio está entre os mais complexos nas discussões éticas e morais que extrapolam os mercados tendo inúmeras questões expostas pelas mídias à sociedade em geral em razão dos ambientalistas e dos tratados internacionais que o Brasil aderiu. Recentemente, acompanhamos as notícias do terremoto no Japão e do grande tsunami que causou a maior catástrofe do gênero no país. Cabe uma reflexão: o terremoto é natural, bem como o consequênte tsunami. O que foi criado pelo ser humano foram as indústrias, os variados tipos de comércio, o mercado imobiliário, as usinas nucleares e um enorme conjunto de infra-instrutora.  Se fizermos um filtro filosófico podemos resumir que estranho ao ambiente são os valores sócio-econômicos implementados na região após muita reflexão ética, resolvendo um enorme problema de espaço territorial japonês e tendo funcionado como o esperado durante muitos anos.

É real que as tecnologias que dotaram o ser humano de conhecimento sobre fenômenos naturais são muito recentes se comparadas à civilização japonesa, contudo, a instalação de usinas nucleares dispensa qualquer necessidade de equipamentos especiais para a avaliação de riscos em solo japonês, bastaria o conhecimento empírico para se deduzir que, em algum dia, poderia haver uma intercorrência mais forte da natureza.

A verdade é que ninguém deseja o mal alheio, não existe a intenção de causar tragédias como as que assistimos no Japão e na Região Serrana do Estado do Rio de Janeiro e em Minas Gerais, no Município de Mariana. Não creio que haja uma premeditação, por exemplo, em fabricar um veículo automotor cujo bagageiro decepa o dedo de seus clientes e usuários, ou mesmo, construir um prédio luxuoso que desabe meses depois de concluído e ocupado. De modo geral, os mercados não pensam o mal, em verdade, tal premeditação pode ser vista nos chamados grupos terroristas. Esclareço que não estou fazendo referência a motivações que visem destruir concorrências, ou que mobilizem forças militares para invasão de territórios cujas riquezas naturais sejam de extremo valor. Não! Os mercados não premeditam o mal.

Cabe destacar as diferenças dialéticas entre o bem e o bom. Se os mercados não premeditam o mal, então deveriam premeditar o bem. Só que o bem não está em acordo com a ética dos movimentos, das normas da vontade humana, que é o pilar do liberalismo econômico. Por isso, os mercados só se preocupam com o bom: o bom investimento, o bom resultado, o bom desempenho, o bom salário, ainda que pelo caminho, indigentemente, possam gerar o mal. O bem é piegas, é confundido com caridade, com religião, já o bom é a autoafirmação de todos os valores cartesianamente catalogados como desejáveis.

Encontrei um mestre que foi meu docente no primeiro período do Curso de Direito e ficou feliz ao saber que estava cursando o nono período. Falou-me o seguinte: Tempus Fugit, Carpe Diem. Segundo Rubem Alves, Tempus Fugit quer dizer "o tempo foge". A vida é breve. (http://www.rubemalves.com.br/tempusfugit.htm acessado em 18/03/11) e Carpe Diem quer dizer "colha o dia". Colha o dia como se fosse um fruto maduro que amanhã estará podre. A vida não pode ser economizada para amanhã. Acontece sempre no presente. (http://www.rubemalves.com.br/carpediem.htm acessado em 18/03/11).

Existe um aparente comprometimento, no texto acima, com a ética do movimento, fundante do liberalismo econômico, mas é só aparente, pois a vida, os valores que a compõem e dentre eles os grupos sociais, a economia, os mercados, o planeta, não podem se esgotar em um dia ou em alguns séculos. O tempo é um eterno fugitivo, por isso, a vida deve ser intensa e a intensidade de viver advém de valores benéficos a sua continuidade, pois o dia seguinte está por amadurecer e deverá ser vivido com a mesma intensidade de hoje. O texto fala da ética dos valores, por isso os meios necessitam ter os mesmos valores dos objetivos finais.

Zigmunt Bauman constrói a tese da liquefação dos atuais valores da sociedade global em razão da obscuridade e imprevisibilidade dos riscos ameaçadores da sociedade e dos mercados. Reproduzimos um pequeno trecho de sua entrevista a Maria Lúcia Garcia Pallares-Burke.

 

Entrevista com Zigmunt Bauman por Maria Lúcia Garcia Pallares-Burke*

 

Uma das características do que chamo de “modernidade sólida” era que as maiores ameaças para a existência humana eram muito mais óbvias. Os perigos eram reais, palpáveis, e não havia muito mistério sobre o que fazer para neutralizá-los ou, ao menos, aliviá-los. Era óbvio, por exemplo, que alimento, e só alimento, era o remédio para a fome.

Os riscos de hoje são de outra ordem, não se pode sentir ou tocar muitos deles, apesar de estarmos todos expostos, em algum grau, a suas conseqüências. Não podemos, por exemplo, cheirar, ouvir, ver ou tocar as condições climáticas que gradativamente, mas sem trégua, estão se deteriorando. O mesmo acontece com os níveis de radiação e de poluição, a diminuição das matérias-primas e das fontes de energia não renováveis, e os processos de globalização sem controle político ou ético, que solapam as bases de nossa existência e sobrecarregam a vida dos indivíduos com um grau de incerteza e ansiedade sem precedentes.

Diferentemente dos perigos antigos, os riscos que envolvem a condição humana no mundo das dependências globais podem não só deixar de ser notados, mas também deixar de ser minimizados mesmo quando notados. As ações necessárias para exterminar ou limitar os riscos podem ser desviadas das verdadeiras fontes do perigo e canalizadas para alvos errados. Quando a complexidade da situação é descartada, fica fácil apontar para aquilo que está mais à mão como causa das incertezas e das ansiedades modernas.

 

*Professora aposentada da Faculdade de Educação da USP e pesquisadora associada do Center of Latin American Studies, Universidade de Cambridge. É autora, entre outros, de Nísia Floresta, o Carapuceiro e outros ensaios de tradução cultural (Hucitec, 1996) e As muitas faces da história (Unesp, 2000), editado também em inglês, The new history: confessions and conversations (Polity Press, 2002).

 

Não pode haver mudança significativa se a sociedade não quebrar o paradigma ético preponderante. Vivemos em uma sociedade global em que as interdependências se tornam cada vez mais necessárias e vitais. A globalização torna peremptória a ética do movimento em favor da ética dos valores que acolheu ao Período da Renascença e a economia capitalista sem causar vítimas sociais, a despeito dos anos em que foi mantida cativa de sua efetividade, aprisionada, desfigurada para manter a sociedade cativa de valores vorazes e tiranos.

Ser ético não é ser honesto, caridoso, ou bom, ou moralmente irrepreensível. Ser ético é pensar valores que não tragam comprometimento à vida em todos os seus sentidos e que permitam uma justa interdependência mundial. Ser ético é ter uma identidade individual que se faz coletiva pelo conhecimento e ação de sua própria racionalidade sem nunca perder a memória do conhecimento humano. Tempus Fugit, o tempo fugiu para o presente e trouxe consigo tudo o que foi conhecido anteriormente.

Notas: I. As citações filosóficas foram compiladas e trabalhadas a partir do Dicionário de Filosofia por Nicola Abbagnano. II. O texto original foi escrito em março de 2011, revisto e atualizado em dezembro de 1015.
Wagner Winter